terça-feira, 29 de dezembro de 2015

"Geomorfologia do Brasil Oriental" (Lester King, 1956) - Fichamento

O texto a seguir é derivado de anotações e comentários realizados durante as minhas leituras do clássico texto "Geomorfologia do Brasil Oriental" escrito por Lester C King (Revista Brasileira de Geografia. Abri-Junho de 1956. p. 147-267).

Geomorfologia do Brasil Oriental (Fichamento)

     O riquíssimo trabalho realizado por Lester King e sua equipe (1956) faz uma comparação entre o desenvolvimento da paisagem brasileira e africana, resultando em um enriquecimento da base geomorfológica brasileira.
     King enfoca nos aspectos do Brasil Oriental (localizado entre o vale do São Francisco e o litoral atlântico) designando o que ele denominou de superfícies de erosão cíclica. Nesta região brasileira, segundo o autor existem vários planaltos de erosão e escarpadas serras, amplos vales e espetaculares picos gnássicos arredondados (“Mares de Morros”). Onde o relevo é produto de: erosão – agradação – tectônica;
     A tarefa de King consistiu em descrever os vários tipos de paisagem presentes na região oriental brasileira e, se possível, classificá-las de modo a que possam ser imediata e sistematicamente compreendidas.
Ciclos de Desnudação e Agradação
     King observa que o desenvolvimento geomorfológico da região se faz pelo o que ele denominou de "Ciclos de Desnudação e Agradação", tendo ciclos mais antigos e mais jovens (6 ciclos comparados). Onde os ciclos iniciam o seu desenvolvimento a partir do litoral em direção ao interior. King destaca que é "nesta concepção de um desenvolvimento ordenado por ciclos de erosão subsequentes é que reside o segredo da geomorfologia brasileira" e que "alguns (ciclos) atingiram mais que outros, um estado de aplainamento (peneplanação – pediplanação) mais avançado".
     Os ciclos que King discute são os seguintes:
1) Gondwana – superfície extremamente aplainada (Terciário Inferior); 
2) Pós-Gondwana - topografia acidentada (Cretáceo);
3) Sul-Americano (Terciário Superior e Quartenário);
4) Velhas – nível de base no Terciário Inferior
5) Paraguaçu – Quartenário, apresentou 2 fases, mas em nenhum ocorreu a fase de aplainamento generalizado.
     Um importante princípio a ser colocado é o apresentado por King (1956):
“Enquanto a zona adjacente à costa e o interior do Brasil se elevarem repetida e intermitentemente desde os períodos Mesózoico-Médio até o Recente, a zona marinha adjacente ao litoral foi outras tantas vezes deprimida.”

O Modo de Desenvolvimento da Paisagem Brasileira
     As feições morfológicas podem ser divididas em 2 grandes classes:
I) Agradação – processo que leva a construção de uma superfície devido a fenômenos deposicionais;
II) Degradação – processo de destruição do planaltos retilíneos.
     Segundo King, a paisagem brasileira na região estudada evoluía e evolui, pela regressão de escarpas e pedimentação, apresentando aspecto escalonado. Onde a ideia geral é que cada superfície aplainada permanece virtualmente inalterada até que é alcançada e destruída pela escarpa do ciclo de erosão posterior, abaixo e além do qual se desenvolve a pediplanície do novo ciclo.
A Sucessão de Superfícies de Desnudação e Agradação
     Primeira série – ciclos de erosão ou desnudação.
     Segunda série – ciclos de agradação ou sedimentação.
     Na junção das duas acima, acha-se escrito na paisagem a história da evolução da paisagem oriental brasileira.
O Ciclo de desnudação Gondwana
     Ocorreu em todo o período Jurássico (+/- 199,6 a 145,5 Ma), com característica de uma planície extraordinariamente uniforme (terciário inferior) e de ocorrência nos divisores mais importantes, ocupando a posição mais alta em relação aos próprios cumes, a superfície Gondwana apresenta boas razões para que seja considerada como a superfície mais antiga do Brasil atual.
     Fazia parte da topografia do antigo continente austral Gondwana.
O Ciclo de Desnudação Pós-Gondwana
     Possui aspecto de raramente se apresentar bem aplainada (topografia acidentada, como a região da serra do Caparaó). De idade quase tão antiga como a superfície Gondwana.
“Esta superfície forma uma zona de terrenos acidentados entre uma remanescente da superfície Gondwana e a superfície Sul-americana, como acontece na região do divisor entre o oeste e o leste mineiro.
O Ciclo Sul-Americano
     Foi esculpida durante o Terciário Inferior e atingiu grande uniformidade de aplanamento. Os remanescentes aplainados desta superfície ainda a individualizam, apesar da dissecação subsequente, como a superfície fundamental a qual a topografia moderna foi esculpida. Têm-se:
- Aplainamento entre o Cretáceo (+/- 145 a 65,5 Ma) e o início do Mioceno (23,3 a 5 Ma);
- A Sedimentação no Terciário Médio.
     As planícies do ciclo Sul-Americano foram soerguidas no Terciário (+/- 20 Ma), fim do Oligoceno, provavelmente. Ao qual nas várias depressões, acumularam-se numerosos depósitos paludais e lacustres.
O Ciclo de Erosão das Velhas
     Raramente atinge a fase de aplainamento generalizado. Mesmo quando atinge o aplainamento, a superfície Velhas frequentemente apresentam remanescentes, isolados ou em grupos, que se elevam a semelhança de “inselbergs”; Tendo:
- Paisagem ondulada, pedimentada e dissecada.
- Formação do grupo Barreiras (extensos depósitos arenosos)
O Ciclo de Erosão Paraguaçu
     Caracteriza-se pela abertura de grandes vales, onde o presente ciclo agiu sobre área relativamente grande na Bahia e uma pequena área em Minas Gerais. Nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo este ciclo é responsável pelo aspecto magnificante escarpado na zona costeira, por exemplo, a escarpa “frente” a Serra do Mar.
     As feições semelhantes que provavelmente existiram nos ciclos de desnudação anteriores foram eliminadas com a continuidade da desnudação, porém o curto período desde o início do Pleistoceno (1,8 Ma), quando o ciclo Paraguaçu iniciou sua ação, foi só suficiente para mascarar as diferenciações e não para obliterá-las completamente.
Acumulações Recentes
     Das superfícies que se desenvolveram no Brasil desde o Paleozóico (542-359 Ma) Médio, cada uma apresenta características próprias que são memorizadas pelo observador que aprende a interpretá-los (nota do autor).
     Essas características são: forma, distribuição, altitude, jazimento e as camadas de recobrimento associadas.
A Influência do Clima e da Rocha Matriz Sobre a Paisagem Brasileira
- Clima – fator externo de modelação (morfoclimático, Ab'Sáber – 1951);
- Rocha – Geologia – fator interno estrutural (morfoestrutural, Azevedo – 1942)
     O principal elemento controlador do desenvolvimento da paisagem brasileira é representado pela sequência de ciclos de desnudação. Onde somente os tipos de rocha de excepcional resistência permanecem como afloramentos.A destruição de pontões mostra que não são relacionados a um único ciclo de desnudação, aparecendo sobre as superfícies cíclicas Sul-Americana, Paraguaçu e Velhas, sempre em fase de Juventude (lembrar de Davis, 1899) em relação ao ciclo correspondente e sobre a rocha matriz apropriada, isto é, gnaissica.
Observações Regionais
As superficies podem se convergir – como acontece em Sete Lagoas, onde o Pós-Gondwana e o Sul-Americano se convergem aparentemente em uma única superfície. 
A evolução da área em estudo inclui aplainamentos sucessivos que foram interrompidos por repetidos soerguimentos, cada soerguimento tendo basculado a região em direção ao norte, segundo um antigo eixo de elevação máxima orientado em direção que varia de leste-nordeste a oeste-sudoeste;
O soerguimento máximo, no sul, deve ter elevado a superfície Gondwana e talvez grande parte da superfície pós-gondwana a altitudes tão grandes que essa superfície desapareceu sob a ação da erosão subsequente (maior poder gravitacional).
A região Entre o Vale do São Francisco e o Mar
O ciclo Paraguaçu se desenvolveu em duas fases:
I) marcada por terraços que continuam muito para o interior;
II) e uma fase de fundo de vale.
Tanto o ciclo Velhas e o Paraguaçu são difásicos e marcados por terraços.
A Serra Geral e Arqueamento Associados
Principal cadeia montanhosa entre o Vale do São Francisco e o Mar (Espinhaço).
Diamantina – derivação pós-gondwana, mas tem a ocorrência de alguns aplainamentos;
O Vale de Afundimento do Rio São Francisco
 Na Bahia, a leste de Paramirim é a área mais elevada, onde é possível distinguir, em ordem ascendente, as 5 superfícies cíclicas mais importantes: 600-700 m (Paraguaçu), 950 m (Velhas na crista escarpada da falha), a +/- 1000 m (Sul-Americano, um pouco acima e atrás do ciclo Velhas), Pós-Gondwana (topografia de grande altitude), a +/- 1800 m (derivados de Quartzitos Italocomi, alguns exíguos remanescentes do aplainamento Gondwana).
A Área Elevada do Rio de Janeiro e Estados Adjacentes
A partir de Vitória-ES, estende-se para sudoeste, através de todo o estado do RJ e atingindo SP, uma zona de terrenos bastante elevados (soerguimento, constatado pelas grande alturas, mas também pela abundância de rochas gnáissicas – metamorfismo).
Apresenta morros residuais (300 a 350 m), tipo Inselberg. A sudoeste de Vitória, próximo a Guarapari e novamente em Inconha, quase não existe a baixada costeira e os grupos de pontões estendem-se para o oriente quase até o mar. Nesse caso, o aplainamento Sul-Americano arqueia-se em direção a plataforma continental;
O mesmo ocorre nas cabeceiras do rio Muiraé, sendo possível observar o ciclo Paraguaçu a 360-400 m nos arredores de Carangola, onde também o ciclo das Velhas aparece como um sistema de esporões aplainados a cerca de 600 m, apresentando as cristas aplainadas do ciclo Sul-Americano entre 800-900 . Para NO, os resquícios/remanescentes do ciclo pós-gondwana permanecem nas partes mais elevadas da serra, em torno de 1200 m, com possíveis remanescentes da superficie Gondwana a 1800-1900 m. As relações entre as superfícies cíclicas são, todavia, complicadas por falahamentos que acompanham a elevação da serra (o maior exemplo é o Pico da Bandeira, que se eleva a 2890 m, por movimentos diferenciais)
Serra do Caparaó – Formação – arqueamento do planalto Sul-americano segundo um eixo de direção nor-nordeste, acompanhado pela ação de fraturamentos subsidiários que provocam grandes elevações próximo ao Pico da Bandeira, arqueamento Crustal.
 Gráben – definição: bloco abatido, relativamente alongado e estreito, limitado por falhas normais. Sua definição original (Suess, 1855) referia-se a feição geomorfológica muito mais do que tectônica
Serra do Mar como uma “escarpa de falha” (R. O. De Freitas, 1950). O autor cita a seguinte sequência de características associadas a Serra do Mar:
a) alinhamento das rochas cristalinas;
b) limites e bordas retílineas;
c) vales suspensos;
d) elevações assimétricas;
e) o contraste entre a drenagem na escarpa e no planalto;
f) ausência de capturas;
g) topografia escalonada (em degraus);
h) coincidencia da topografia com a direção da xistosidade;
i) adaptação da drenagem;
j) ausência de correlação entre a morfologia e a dureza das rochas.
Porém, Rich (1953, p. 26) não conseguiu registrar e identificar qualquer falha ou escarpa de falha ao longo da frente de serra... a topografia resulta do esfacelamento, pela erosão, de uma estrutura monoclinal... sob o ataque de agentes erosivos, suficiente para explicar a origem da serra, desde o Terciário Superior.
OBS: A Serra do Mar não apresenta: I) desabamento ao longo das zonas de falhas; II) deslocamento abrupto de camadas; III) deslocamento das superfícies de erosão.
Consequências Tectônicas
Na região adjacente à costa, formou-se uma íngreme estrutura monoclinal que levou a superfície até além da atual linha de costa;
Só localmente, onde os soerguimentos atingiram um máximo, o arqueamento foi superado por falhas, como nas partes superiores dos vales de afundimento do São Francisco e do Paraíba e provavelmente na área do Pico da Bandeira, durante o Pleistoceno, e na íngreme estrutura monoclinal do Rio de Janeiro em época mais recente;
A regularidade e a repetição notada nos movimentos que deformaram as várias superfícies cíclicas fazem crer em uma única força deformante que teria iniciado sua ação desde o Mesozóico Médio. Cálculos preliminares sugerem que, para secção entre Curvelo e o Rio de Janeiro, esta força é a simples compensação isostática que se seguiu a cada uma das fases de desnudação; a observação de que a zona de falhas associada a estrutura monoclinal do Rio de Janeiro parece ter sido deslocada cada vez mais para o interior após cada soerguimento, vêm ao encontro desse ponto de vista.

Outros trabalhos de suma importância na perspectiva de King devem ser ressaltados:
GEODINÂMICA DE SUPERFÍCIES DE APLANAMENTO, DESNUDAÇÃO CONTINENTAL E TECTÔNICA ATIVA COMO CONDICIONANTES DA MEGAGEOMORFOLOGIA DO BRASIL ORIENTAL - Roberto Célio Valadão. Revista Brasileira de Geomorfologia. https://www.lsie.unb.br/rbg/index.php?journal=rbg&page=article&op=view&path%5B%5D=132. Acessado em 20 de Dezembro de 2015.

Referência Bibliográfica:
KING, L.C. (1956). Geomorfologia do Brasil Oriental. Rev. Bras. Geografia, 18(2):147-265. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/115/rbg_1956_v18_n2.pdf.