quinta-feira, 23 de junho de 2016

Voçorocas: tipos, formas e ambientes de formação.

Rafael Cardoso Teixeira
Os processos de erosão do solo em estado avançado são denominados como sulcos, ravinas e voçorocas. Provenientes da formação de grandes cavas devido a relações peculiares quanto ao uso do solo, ao tipo de solo, ao substrato geológico e as características de relevo, climáticas e hidrológicas. Nesses ambientes, de solos em processo evoluído de erosão, tende a apresentar vegetação rasteira e escassa que não tem potencial de proteger o solo que, em geral, são ocasionados pelas mudanças ambientais induzidas pela ação antrópica, potencializando a formação de feições de alto potencial erosivo.
Pela relação mútua entre os componentes ambientais (vegetação, hidrografia, clima, solo, relevo e ação antrópica), Ramos (2010) salienta que as voçorocas representam canais intermitentes de água, onde percorrem água após chuvas com grande volume de escoamento superficial em encostas de voçorocas acarretando intensa erosão de solos que contribuem com representativa quantidade de sedimentos carreados em bacias hidrográficas com desequilíbrios no uso dos solos (ARAÚJO et al., 2008). Entre os fatores, além do tipo de uso do solo, a diversidade pedológica e geológica dos ambientais tem alto índice de voçorocamento aliado a uso inadequado do solo.
Quanto à geologia, regiões do embasamento cristalino, com suas abruptas variações, contatos geológicos e diques são suficientes para acelerar e intensificar a formação e propagação de voçorocas pela superfície desses locais. Assim, essas variações geológicas, incluindo rochas de caráter mais arenoso junto aos seus solos derivados em contato com solos de textura mais fina, tem também o contato de textura de solos ao longo de um perfil, como por exemplo, horizontes mais superficiais em textura arenosa os horizontes mais profundos de textura mais fina (silte e argila). Ocasionado diferenças abruptas na infiltração de água no solo e podendo gerar fluxo lateral de água entre os horizontes.
Ravinas e voçorocas são derivadas da tendência de sistemas naturais buscarem atingir um estado de equilíbrio, onde, tomando os solos como exemplo, a mudança na quantidade de energia disponível (frequência e intensidade de precipitações, teor de umidade interno aos solos, entre outros) e na modificação das características do sistema (cobertura vegetal, uso do solo, grau de estruturação do solo, entre outros) pode levar a um desequilíbrio de energia no sistema em questão. Onde as ravinas e voçorocas podem ser definidas como incisão natural resultante de desequilíbrios naturais ou induzidas pelo agente antrópico.
Quanto à distinção entre ravinas e voçorocas, em geral, ocorre predominância de caráter de classificação quanto à dimensão da incisão. Onde as ravinas são incisões de até 50 cm de profundidade e largura, e acima desses valores, têm-se as voçorocas.
As incisões citadas possuem vários mecanismos responsáveis pela erosão, ao qual Oliveira (1999) destaca os principais, que são:
i) deslocamento de partículas por impacto das gotas de chuva – também conhecido como splash erosion ou erosão por salpico, acarreta compactação do solo a partir da criação de uma crosta de 0,1 a 3,0 mm de espessura na superfície (partículas mais finas – argilosas); implicando na redução da capacidade de infiltração entre 50% a 1000% (variação influenciada pelas características do solo e energia da chuva);
ii) transporte de partículas de solo pelo escoamento superficial difuso – pode ser compreendido como o resultado de tensões cisalhantes que superam a resistência estática das partículas individuais. A partir do momento em que o fluxo é capaz de manter o movimento generalizado das partículas, as forças cisalhantes tendem a atingir o seu efeito máximo;
iii) transporte de partícula por fluxos concentrados – ao convergir para microdepressões do terreno, o escoamento superficial se transforma em fluxo concentrado, formando sulcos, ravinas e voçorocas. Onde as partículas transportadas assumem trajetórias variadas, ocasionando o efeito de corrasão;
 iv) erosão por queda-d`água (plunge pool erosion);
v) solapamento da base dos taludes;
vi) liquefação das partículas de solo;
vii) movimentos de massa localizados;
viii) arraste das partículas do solo por percolação em meio poroso e através de dutos (piping).
Com relação à classificação das voçorocas, os critérios mais utilizados, entre os diferentes autores, são: a dimensão e formato da seção transversal do canal formado, área de abrangência, a forma e a localização (rural ou urbana). As formas de voçorocas são derivadas das variações entre relevo, solos e geologia, sendo as principais formas, as seguintes de acordo com Vieira (2008):

Figura 1: Tipo de Voçorocas de acordo com Vieira (2008).
Outra classificação, mais antiga, foi realizada por Ireland et al. (1939) que agruparam em 4 tipos, que são: 1) linear, não apresenta ramificações significativas, sendo formada basicamente pelo canal principal; 2) dentrítica (ou arborescente), constitui o padrão predominante e se caracteriza por apresentar um padrão de desenvolvimento de voçoroca em ramificações; 3) composta, que não apresenta um padrão único, mas podem ser lineares e depois bulbosas, ou vice-e-versa; e 4) indefinida, cujos canais principais estão em fase de abertura, não apresentando ainda uma forma definida.
Autores como Fendrich et al. (1991) classificam as voçorocas de acordo com o formato da seção transversal (formato em U e em V – Figura 2). A voçoroca com formato em “U” é encontrada normalmente em regiões onde o solo e subsolo são mais facilmente erodíveis, não significando necessariamente um perfil mais estabilizado. Neste caso, as paredes são quase verticais e a ampliação lateral é realizada por erosão superficial ou por descalçamento da base da parede devido à ação da água subterrânea. A voçoroca com formato em “V” está relacionada a solos que apresentam maior resistência à erosão, onde o escoamento superficial concentrado atua preponderantemente à ação da água subterrânea. Este formato é mais comum no início do processo erosivo, muito embora seja frequente encontrar ambos os formatos numa mesma voçoroca, independentemente de sua idade ou estabilização. Segue-se a figura (2) representando as formas em “U” e “V” das voçorocas.

Figura 2: Esquema de diferentes tipos de voçorocas de acordo com Dobek et. al (2011).
Segundo Fendrich et al. (1991) existem quatro estágios de desenvolvimento de uma voçoroca: 1°) ocorre formação de sulcos com escoamento superficial concentrado; 2°) ocorre aprofundamento e alargamento da voçoroca com surgimento da cabeceira da feição devido à erosão regressiva; 3°) ocorre encontro do nível base de erosão com formação de fundo achatado; 4°) a voçoroca começa se estabilizar, com abrandamento dos taludes e colonização de espécies vegetais oriunda dos escorregamentos. Onde, neste quarto estágio, provavelmente a colonização se faz por sucessão ecológica de espécies.
Camapum de Carvalho et al. (2006) afirmam que tanto as ravinas, quanto as voçorocas, podem assumir forma linear, quando estão associadas às características geológico-geotécnicas e estruturais da região, apresentando inicialmente a forma de “V” e podendo evoluir para a forma “U” ou trapezoidal; forma de anfiteatro, quando a feição assume forma mais concentrada, e encaixada quando a feição atinge camadas de solo menos resistente, ficando confinada pelas mais resistentes. A tabela 1 apresenta uma classificação de voçorocas quanto à profundidade e área da bacia

Tabela 1 – Classificação de Voçorocas
Classificação
Profundidade do canal
Área da bacia (ha)
Pequenas
< 1m
< 2 ha
Médias
1 a 5m
2 a 20 ha
Profundas/ Grandes
> 5m
> 20 ha
* Adaptado de FRENDRICH et al. (1991)
Quanto aos solos, que são os principais elementos erodidos, Vianna et. al. (2006) destaca que “num mesmo tipo de solo podem ocorrer taxas de infiltrações diferenciadas, ocasionadas possivelmente pelas características morfológicas do solo, pela declividade do terreno ou influenciada pelas características de cobertura vegetal”, somando-se também a presença de serapilheira e matéria orgânica.
Para a compreensão dos processos de voçorocamento a descaracterização do meio físico é entendida como o principal elemento a ser pensado, os quais são dependentes de fatores como: características do solo (heterogeneidade, resistência à erosão, infiltração), características topográficas (forma, comprimento e declividade da encosta).
Quanto à recuperação em relação aos solos, isso depende da disponibilidade de nutrientes (relacionado ao tipo de solo, material de origem e/ou fertilizantes) e da umidade do solo, fatores que normalmente se acham em níveis inadequados (baixos a extremamente baixos) para a vegetação em áreas erodidas. Outro fator relacionado à recuperação é a inclinação das encostas das voçorocas, onde as formas que tendem ao formato “U”, por serem mais inclinadas, apresentam, em geral, maior dificuldade de estabilização e recuperação. Enquanto as voçorocas em formato em “V”, pela menor inclinação das encostas, em geral, tendem a serem menos problemáticas a recuperações.
A ocupação humana, geralmente iniciada pelo desmatamento e seguida pelo uso inadequado da terra, construção de estradas, criação e expansão de cidades, sobretudo quando efetuada de modo inadequado, pode exercer um papel importante na origem, aceleração e aumento dos processos erosivos. Onde se criam prejuízos tanto em campos agrícolas quanto nas cidades (voçorocas urbanas).
Referências Bibliográficas
ARAUJO, S. H. G.; ALMEIDA, R. J.; GUERRA, T. J. A. Gestão ambiental de áreas degradadas. 3.d. Bertrand Brasil. Rio de Janeiro, 2008. p.320.
CAMAPUM DE CARVALHO, J.; SALES, M. M.; MORTARI, D.; FÁCIO, J. A.; MOTTA, N.; FRANCISCO, R. A. Processos erosivos. In: CAMAPUM DE CARVALHO, J.; SALES, M.M.; SOUZA, N.M.; MELO. M.T.S. (Org.). Processos erosivos no centro-oeste brasileiro. Brasília: Universidade de Brasília: FINATEC, 2006. p. 39-91.
DOBEK, K.; DEMCZUK, P.; RODZIK, J.; HOŁUB, B. Types of gullies and conditions of their development in silvicultural loess catchment (Szczebrzeszyn Roztocze region, SE Poland). Landform Analysis, Vol. 17: 39–42; 2011.
FENDRICH, R.; OBLADEN, N. L.; AISSE, M. M.; GARCIAS, C. M. Drenagem e controle da erosão urbana. 3. ed. São Paulo: IBRASA. Curitiba: Ed. Universitária Champagnat, 1991. 442 p.
IRELAND, H.A., SHARPE, C.F., EARGLE, D.H. 1939. Principles of gully erosion in the piemont of South Carolina. US Department of Agriculture, Technical Bulletin, Washington DC, 633p.
OLIVEIRA, M. A. T. Processos Erosivos de Áreas de Risco de Erosão por Voçorocas. IN: Erosão e Conservação dos Solos, Conceitos, Temas e Aplicações. GUERRA, J,T; SILVA, A,S; BOTELHO, R,G,M. (org.) Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.
RAMOS, I. Q. Levantamento de Voçoroca com o uso do laser scan. Seropédica-RJ, Julho de 2010. 34p.
VIANNA, P. C. G.; LIMA, V. R. P.; LUNGUINHO, L. L.; TORRES, A. T. G.; SILVA, Araci. Estabilização de voçoroca - subproduto ambiental do diagnóstico dos recursos hídricos, o caso do Assentamento Dona Antonia, Conde (PB). GETAP – Grupo de Estudos e Pesquisas em Água e Território. 2006.

VIEIRA, A.F.G. Desenvolvimento e distribuição de voçorocas em Manaus (AM): principais fatores controladores e impactos urbano-ambientais. Tese de Doutorado em Geografia. Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGG/UFSC), 2008.