sábado, 19 de novembro de 2016

Trabalho de Campo no Parque Nacional do Caparaó

Introdução
A ida a campo ao Parque Nacional do Caparaó, na cidade de Alto Caparaó-MG, divisa entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, apresentou a nós alunos da disciplina GEO 320 (Dinâmica Fisiográfica do Espaço Brasileiro) as diferenças físico-bióticas do espaço ao qual percorremos em saída de Viçosa-MG a cidade de Alto Caparaó-MG onde fica a portaria do lado mineiro para entrada ao parque. 
O intuito do trabalho de campo nesse local foi fazer a caracterização de um ambiente diferenciado do qual estamos observando no dia a dia que é a região de “mar-de-morros”, como assim chamou Aziz Ab’Sáber, e observar as relações entre o clima, a geologia, a geomorfologia, a fitogeografia que compõem as mudanças entre esses ambientes (“mar-de-morros” e a serra do Caparaó) . Além da visita a campo, outros métodos foram utilizados para caracterizar o trajeto de Viçosa até o Pico da Bandeira, ponto final da excursão a campo, como o uso de mapas de solos, de geomorfologia, o uso de GPS para mapeamento de altitude e marcação de pontos no percurso.
Com a observação de alguns aspectos físicos e bióticos das paisagens do trajeto, o uso de referências bibliográficas e analise dos materiais utilizados para o trabalho de campo ficou bastante explicito as diferenças dos locais percorridos e a plena influência de cada fator relacionado com outros fatores para a diferenciação dos locais discutidos.
Locais de Parada
A ida a campo saindo de Viçosa-Mg a Alto Caparaó-MG nos dias 23 e 24 de abril de 2012 fez um percurso entre as duas cidades citadas passando por Teixeiras, Ponte Nova, Rio casca, Abre Campo, Manhuaçu, Reduto, Manhumirim e Alto Jequitibá (Figura 1).
Ao longo desse trajeto foram feitas algumas paradas com objetivos de se observar algumas questões relacionadas à dinâmica de elementos diversificados que compõem as paisagens locais aonde paramos. Além da observação nos pontos de parada tivemos ainda as discussões referentes ao mapa de solos (Figura 1), a modificação da natureza para usufruto e ocupação do homem (o que em alguns casos de forma inadequada).

Figura 1: Mapa de solos e do trajeto feito durante o trabalho de campo. Elaborado por: José João Lelis leal de Souza.   
Todo o trajeto foi feito sobre a Faixa Móvel Atlântica, com rochas variando da era Pré-Cambriana no período Proterozóico (3,2 bilhões de anos) até a era Paleozoica no período Ordoviciano (500 milhões de anos), ou seja, juntamente com as serras da Mantiqueira, do Espinhaço e de outras, a serra do Caparaó está no grupo dos chamados antigo dobramentos que iniciaram sua elevação na era Paleozoica.
As rochas predominantes de todo o trajeto percorrido são graníticas e gnáissicas que deram origem a variados tipos de solos da cidade de saída à cidade de chegada a visita ao parque, como indica na Figura 1. Os solos são:
. Viçosa - Teixeiras até próximo a Ponte Nova, o LVAd3, LATOSSOLO VERMELHO AMARELO Distrófico típico. A moderado, textura argilosa/muito argilosa, fase floresta tropical subperenifólia, relevo forte ondulado/montanhoso (50%) + CAMBISSOLO HÁPLICO Tb Distrófico típico, A moderado, textura argilosa, fase floresta tropical subperenifólia, relevo forte ondulado/montanhoso (25%) + ARGISSOLO VERMELHO-AMARELO Distrófico típico, A moderado, textura argilosa/muito argilosa, fase floresta tropical subperenifólia, relevo ondulado (25%);
. Proximidades de Ponte Nova, o LVAd7, LATOSSOLO VERMELHO AMARELO Distrófico típico, A moderado, textura argilosa, fase floresta subperenifólia, relevo forte ondulado (50%) + CAMBISSOLO HÁPLICO Tb Distrófico típico, A moderado, textura argilosa, fase floresta tropical subperenifólia, relevo forte ondulado (30%) + ARGISSOLO VERMELHO-AMARELO Distrófico típico, A moderado, textura argilosa, fase floresta tropical subperenifólia, relevo ondulado (20%);
. Ponte Nova até as proximidades de Abre Campo, o PVAe1, ARGISSOLO VERMELHO-AMARELO Eutrófico típico, A moderado, textura argilosa, fase floresta tropical subperenifólia, relevo ondulado (40%) + ARGISSOLO VERMELHO-AMARELO Distrófico típico, A moderado, textura argilosa, fase floresta tropical subperenifólia, relevo ondulado (25%) + LATOSSOLO VERMELHO-AMARELO Distrófico típico, A moderado, textura argilosa/muito argilosa, fase floresta tropical subperenifólia, relevo forte ondulado (20%) + CAMBISSOLO HÁPLICO Tb Distrófico típico, A moderado, textura argilosa, fase floresta tropical subperenifólia, relevo forte ondulado (15%);
. Proximidades de Abre Campo, LVAd9, LATOSSOLO VERMELHO-AMARELO Distrófico húmico, A húmico, textura muito argilosa, fase floresta tropical subperenifólia, relevo forte ondulado/montanhoso (50%) + LATOSSOLO VERMELHO-AMARELO Distrófico típico, A moderado, textura argilosa/muito argilosa, fase floresta tropical subperenifólia, relevo forte ondulado/montanhoso (30%) + CAMBISSOLO HÚMICO Distrófico latossólico, A húmico, textura argilosa/muito argilosa, fase floresta tropical subperenifólia, relevo forte ondulado/montanhoso (10%) + CAMBISSOLO HÁPLICO Tb Distrófico, A moderado, textura argilosa, fase floresta tropical subperenifólia, relevo forte ondulado/montanhoso (10%);
. Proximidades de Abre Campo, LVAd15, LATOSSOLO VERMELHO-AMARELO Distrófico típico, A moderado, textura argilosa, fase floresta tropical subperenifólia, relevo forte ondulado (50%) + CAMBISSOLO HÁPLICO Tb Distrófico típico, A moderado, textura argilosa, fase floresta tropical subperenifólia, relevo forte ondulado (25%) + ARGISSOLO VERMELHO-AMARELO Distrófico típico, A moderado, textura argilosa, fase floresta tropical subperenifólia, relevo ondulado (25%);
. Proximidades de Manhuaçu, LVAd4, LATOSSOLO VERMELHO-AMARELO Distrófico húmico, A húmico, textura muito argilosa, fase floresta tropical subperenifólia, relevo forte ondulado/montanhoso (20%) + LATOSSOLO VERMELHO Distrófico húmico, A húmico, textura muito argilosa, fase floresta tropical subperenifólia, relevo forte ondulado/montanhoso (20%) + CAMBISSOLO HÚMICO Distrófico latossólico, A húmico, textura argilosa/muito argilosa, fase floresta tropical subperenifólia, relevo forte ondulado/montanhoso (30%) +  NEOSSOLO LITÓLICO Húmico típico, A húmico, textura argilosa, fase campo rupestre, relevo montanhoso (15%) + AFLORAMENTO DE ROCHA (15%);
. Proximidades de Reduto, Manhumirim e Alto Jequitibá, LVAd23, LATOSSOLO VERMELHO-AMARELO Distrófico húmico, A húmico, muito profundo, textura argilo arenosa, fase floresta tropical subperenifólia, relevo montanhoso (45%) + LATOSSOLO VERMELHO-AMARELO Distrófico típico, A moderado ou proeminente, muito profundo, textura argilo arenosa, fase floresta tropical subperenifólia, relevo montanhoso (30%) + CAMBISSOLO HÁPLICO Tb Distrófico típico, A moderado, textura argilo arenosa, fase floresta tropical subperenifólia, relevo montanhoso (25%);
. Alto Caparaó, LVAd1, LATOSSOLO VERMELHO-AMARELO Distrófico húmico, A moderado, textura argilosa, fase floresta tropical subperenifólia, relevo forte ondulado/montanhoso + LATOSSOLO AMARELO Distrófico + CAMBISSOLO HÁPLICO Tb Distrófico, fase florestal tropical subperenifólia, relevo forte ondulado/montanhoso + LATOSSOLO VERMELHO Distrófico, A moderado, textura argilosa, fase floresta tropical subperenifólia, relevo forte ondulado/montanhoso.      
 O papel da elevação de altitude na dinâmica da paisagem
A elevação de altitude que nessa região de dobramento é muito alta, se comparada a maior parte do território brasileiro, chegando a 2892 metros acima do nível do mar, revela uma dinâmica da fitogeografia muito diferenciada a partir do escalonamento altimétrico da região.
O parque está inserido, segundo a definição de Ab’Sáber, no Domínio Morfoclimático Atlântico, mas a sua vegetação ao se elevar a altitude, se modifica assim como o clima, o solo e outros fatores. Entre 800 e 1700 metros a vegetação é formada por Floresta Pluvial Montana (foto 1), entre 1700 a 2400 metros a floresta é ocupada por campos de altitude e campus rupestres (foto 2) e a acima de 2400 metros o predomínio é de campos incrustados em afloramentos rochosos (foto 3). A diferenciação da fitogeografia é percebida como em andares de altitude, onde se modificam suas características quando se modifica a pressão atmosférica e a sua quantidade de umidade, aonde quanto mais alto, maior a secura atmosférica.
Na parte de domínio da Mata Atlântica é onde se localiza a maior quantidade de biodiversidade do parque, sendo também a parte mais ameaçada e transformada pela ocupação anterior a formação do parque.  Na parte onde predomina os campos de altitude, como o próprio nome indica, a vegetação é adaptada a um solo mais pedregoso e de menor profundidade, frios mais intensos, menor concentração de umidade e formação de crostas de gelo, podendo ser caracterizada como um tipo de meio “natural” difícil (J. DEMANGEOT; 2000) assim como os semi-desertos e desertos, as tundras circumpolares, a floresta boreal e mesmo a montanha alpina.
Foto 1: Floresta Pluvial de Montana, altitude próximo a 1600 metros.

Foto 2: Campos de altitude ou Campus rupestres, altitude por volta de 2400 metros.

Foto 3: Campos incrustados em afloramentos rochosos próximos a altitude máxima do pico.


Como demonstrado na foto 2, há ocorrência no parque de árvores da espécie Araucária angustifólia, com nome popular de araucária, onde a ocorrência dessa espécie hoje no parque é causa de eventos climáticos históricos, onde com a glaciação de Würm-Wisconsin o clima foi mais seco e mais frio que o atual nesta última glaciação que perdurou entre 12.000-18.000 anos atrás, onde Ab’Sáber defende a teoria dos Refúgios Florestais, ao qual em regiões com altitude mais elevada no sudeste brasileiro, que apresentam características mais frias e mais secas ainda exibem núcleos de araucárias onde hoje não tem nenhuma ligação de corredor ou mesmo fitogeográfica entre as áreas. Essa presença de araucárias na região sudeste em alguns pontos é devido à expansão do espaço de ocupação do território que sofreu à floresta de araucária na época da ultima glaciação, onde Ab’Sáber  (1977b) apresenta os paleoespaços fitogeográficos da América do Sul entre 13000-18000 anos, no máximo glacial (Figura 2).
Figura 2: Configuração dos paleoespaços fitogeográficos da América do Sul durante o último máximo glacial (AB’SÁBER, 1977).
           As características de altitude da Serra do Caparaó
O clima hoje é caracterizado pela classificação de Köppen como o Cwb (C = clima mesotérmico; w = chuvas de verão e outono; b = verões brandos), ou seja, é um clima de temperaturas mais amenas (caracterização de subtropical ou temperado), onde as chuvas se concentram de novembro a janeiro (de 35% a 50% da precipitação anual) e o verão apresenta temperaturas menos elevadas como é característica da latitude do parque, claro que devido a altitude o parque se torna exceção climática nessa região.
O Maciço do Caparaó é datado como os antigos dobramentos, sendo esses de idade variando por volta de 2 bilhões de anos,  proveniente portanto da era Pré-Cambriana, mas que as rocas foram, pode-se dizer, retrabalhadas no ciclo brasiliano (período Cambriano e era Paleozoica) com rochas predominantemente metamórficas, como é de característica de regiões provenientes de dobramentos, e essas rochas são com maior importância os gnaisses, migmatitos e charnockitos. Com relação à geomorfologia no parque o que predomina é a morfogênese, ou seja, a modificação do desenho da paisagem, pois é evidente que a erosão, principalmente eólica e fluvial é mais efetiva devido as fortes rajadas de vento e a incisão dos canais fluviais nos “vales encaixados em V” (foto 4) e a pedogênese, principalmente nos pontos mais elevados e íngremes da serra, é de fraca proporção, tendo solos muito pedregosos e muito rasos. O tipo de solos característico da região que mais chama a atenção de pesquisadores e mesmo de pessoas não ligadas a pesquisa é o solo com aparência escura, de cor preta, que é bastante aparente em algumas áreas com algum perfil plano (foto 5) que é o Organossolo. O Organossolo tem como característica a sua cor escura devido a grande quantidade de matéria orgânica presente em sua composição (0,2 kg/kg de solo ou 20% da massa), pois em locais de temperatura mais baixas a decomposição de matéria orgânica é muito lenta, assim sendo, acaba se incorporada ao solo. Outro solo também bem característico da área é o Neossolo, que são solos poucos evoluídos e sem horizonte B diagnóstico.
   
 Foto 4: Vales “encaixados em V. 

Foto 5: presença marcante de Organossolo.
Apesar da altitude de exceção no território brasileiro e sua menor temperatura, não ocorre a ocorrência de neve, pois segundo o gráfico – Limite das Neves e Precipitações no Globo, pág. 243 -  de Jean Demangeot, em seu livro “ Os Meios ‘Naturais’ do Globo”, coloca em comparação a latitude (Norte ou Sul) e a altitude onde tem a ocorrência ou poderia ter de precipitação e neve. Na observação desse gráfico e em comparação a latitude do parque Nacional do Caparaó (20o19’S e 20o37’S) e a máxima altitude que é a do Pico da Bandeira (2892 m), a ocorrência de neve não existe em permanência (o que devido a algum evento anormal pode ser que aconteça em algum dia especifico), pois segundo o gráfico, para que ocorra nessa latitude, é necessário que a altitude seja em torno de 5000 metros e a precipitação próxima a 3000 metros é variável próximo a 800 mm/a.
O papel da drenagem
A drenagem dos rios que tem suas nascentes próximas a topo do Maciço tem como características a rede de drenagem ser incrustada em vales com formação em V, com perfil de distância entre o divisor e o leito menor do rio formando em desenho a aparência da letra V realmente e onde a maiorias dos leitos são perenes.
A Geomorfologia local tem o papel bem explicito na forma da rede de drenagem, pois o local é de altitude elevada (figura 3 e 4) e tem nas águas correntes dos rios e riachos o principal agente de morfogênese do maciço, ou seja, o papel de agente erosivo atuante. Dessa maneira, a atuação do agente erosivo água e bem atuante nesta região. Em algumas áreas mais planas, onde é de ocorrência a formação do Organossolo, tem o acumulo de água, que também é característica para a formação desse solo, além de matéria orgânica e frio.
Figura 3: Perfil altimétrico do percurso feito entre Viçosa-MG e o Pico da Bandeira-Parque Nacional do Caparaó. Elaborado por: José João Lelis leal de Souza.  


Figura 4: Perfil de altitude dos pontos de saída (Pousada - Alto Caparaó), Mirante, Casa de Pedra, Perfil de Coleta de solo e chegada (Pico da Bandeira). Elaborado por: José João Lelis leal de Souza.  

Conclusões
O trajeto de Viçosa-MG até o Pico da Bandeira apresentou uma diversidade de características de Pedologia, Geomorfologia, Fitogeografia e Hidrográfica, onde a formação dessas áreas tem um papel histórico muito atuante na caracterização deste espaço.
Saímos de um local com predominância de Latossolo e floresta tropical subperenifólia com altitude próxima a 700 metros e por fim chegamos a um local de predominância de afloramentos de rochas e solos do tipo organossolo e neossolo com altitude próxima a 3000 metros. Entre esses dois locais, a mudança de fatores vai se intercalando, claro, juntamente com a grande modificação do meio “natural” pela população ocupante, e dessa maneira a paisagem vai se modificando a partir do momento que os fatores e elementos (altitude, umidade, exposição solar, declividade das encostas, pressão e outros) se modificam em decorrência da ligação de uns com os outros.
Essa diferenciação de paisagens “naturais” ficou evidente principalmente através do relevo, da vegetação, da hidrografia, da temperatura e da umidade analisadas através da observação e dos equipamentos utilizados como o GPS que mostrava a temperatura e a altitude do percurso feito.  
Referências Bibliográficas:
AB’SÁBER, A.N. Espaços ocupados pela expansão dos climas secos na América do Sul, por ocasião dos períodos glaciais quaternários. Paleoclimas (3).São Paulo. 1977.
AB’SÁBER, A.N. Os Domínios de Natureza do Brasil: Potencialidades paisagísticas. Ateliê Editorial, São Paulo. 2003. 159p.
BROWN, J. H; Lomolino, M, V. Biogeografia. 2. Ed. Ver. E ampl. – Ribeirão Preto, SP: FUNPEC Editora, 2006.
DEMANGEOT, J. Os Meios “Naturais” do Globo. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. 2000.
EMBRAPA - CNPS. Sistema Brasileiro de Classificação de Solos. Brasilia: Embrapa-SPI; Rio de Janeiro: Embrapa-Solos, 2006. 306 p.
PARQUE NACIONAL DO CAPARAÓ. Geologia. http://www4.icmbio.gov.br/parna_caparao/index.php?id_menu=73
PARQUE NACIONAL DO CAPARAÓ. Vegetação. http://www4.icmbio.gov.br/parna_caparao/index.php?id_menu=74
PARQUE NACIONAL DO CAPARAÓ. Localização. http://www4.icmbio.gov.br/parna_caparao/index.php?id_menu=75
PARQUE NACIONAL DO CAPARAÓ. Hidrografia. http://www4.icmbio.gov.br/parna_caparao/index.php?id_menu=155

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